O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, na última quinta-feira (10), o julgamento que vai decidir o futuro do amianto no Brasil. A fibra usada na fabricação de telhas e caixas d’água é cancerígena e já foi proibida em mais de 60 países. No Brasil, o amianto do tipo anfibólio foi banido em 1995, mas o país ainda permite a exploração industrial e comercial da variedade crisotila. No entanto, alguns estados e municípios proibiram o uso de qualquer forma de amianto, como é o caso de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.
Tramitam no STF oito ações que questionam leis estaduais e uma municipal que proíbem o uso do amianto em seus territórios. Após o voto de um ministro e a manifestação de advogados dos dois lados da questão, a sessão foi suspensa e a discussão será retomada na próxima quinta-feira (17).
Quatro ações foram feitas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), questionando a proibição do amianto em Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo (estado e município). A entidade alega que as leis estaduais e municipal seriam inconstitucionais porque, ao impor restrição maior do que a prevista em lei federal, teriam invadido a competência da União para legislar sobre o tema.
Uma das ações em julgamento foi ajuizada pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Essa ação questiona a constitucionalidade da lei federal 9.055, de 1995, que permite a exploração do amianto crisotila, desde que seguidas normas de segurança. Para as entidades, a norma viola a constituição “no que concerne à dignidade da pessoa humana, ao valor social do trabalho, à existência digna, ao direito à saúde e à proteção ao meio ambiente”.
Inconstitucional
Único a votar nessa sessão, o ministro Dias Toffoli votou a favor da proibição do amianto. Ele declarou a inconstitucionalidade da lei federal 9.055, e considerou que, neste caso, as leis estaduais e municipais são válidas.
Em seu voto, Dias Toffoli abordou o federalismo cooperativo e a repartição das competências legislativas da União, dos estados e dos municípios. O ministro destacou que uma lei municipal ou estadual não poderia proibir totalmente o uso do amianto, se uma lei federal admite o seu uso restrito. No entanto, o ministro afirmou que o artigo 2º da lei federal que regulamenta a extração e utilização do mineral passou por um processo de inconstitucionalização, e, desta forma, os estados passam a ter competência legislativa sobre o tema.
O professor Sidnei Machado, da Faculdade de Direito da UFPR, explica que, de fato, ao se alterar o sentido da norma constitucional – em razão de mutação constitucional ou da mudança das circunstâncias fáticas – pode acontecer que determinada lei ou ato normativo passe a ser interpretada como inconstitucional. “Isso, pois, o sentido da constituição está em permanente disputa. No caso específico do amianto, os argumentos trazidos pelo relator de vistas partem dessa premissa. Vale dizer, a consideração de que os Estados-membros podem legislar sobre o amianto, isto é, proibindo o seu uso, a despeito do que diz a lei federal, parte de uma nova e mais adequada compreensão do federalismo, o chamado federalismo cooperativo”.
“Os fundamentos do voto do Ministro Dias Toffoli seguem a linha de uma racionalidade que tem como vetor interpretativo a proteção ao meio ambiente e de valorização do direito fundamental da pessoa humana, a partir da premissa das evidências científicas acerca dos riscos ocupacionais e à saúde pública”, diz Vera Karam de Chueiri, diretora do Setor de Ciências Jurídicas da UFPR.
Na opinião de Sidnei Machado, a decisão do Supremo Tribunal Federal nesse caso será muito relevante do ponto de vista da fundamentação da deliberação, pois o resultado sinalizará a posição da Corte sobre a mediação sobre um complexo conflito de interesses econômicos e socioambientais. “As decisões anteriores na Corte revelavam um embate entre duas racionalidades. De um lado, decisões fundamentadas num argumento formalista da lei e favorável ao interesse econômico do uso do amianto. De outro, uma racionalidade protetiva, favorável ao interesse socioambiental”, afirma.
Dias Toffoli argumentou que o consenso em torno da necessidade ou não do banimento do amianto mudou de 1995, quando foi editada a lei federal, para cá. Segundo ele, na época, havia um prognóstico de viabilidade do uso seguro da crisotila, e não havia possibilidade de substituí-la por material alternativo.
“Se antes tinha-se notícia dos possíveis riscos à saúde e ao meio ambiente ocasionados pela utilização da crisotila, hoje o que se observa é um consenso em torno da natureza altamente cancerígena do mineral e da inviabilidade de seu uso de forma efetivamente segura”, disse o ministro, e citou o entendimento de órgãos nacionais e internacionais das áreas da saúde.
É bom lembrar, no entanto, que os riscos da exposição ao amianto são conhecidos de longa data, e autoridades em saúde já alertavam para esses perigos antes da época da edição da lei federal brasileira que permite o uso da crisotila.
De fato, os Estados Unidos baniram totalmente o amianto em 1989. Na União Europeia, um documento assinado em 1999 bania o uso de amianto em todos os países membro.
Projeto de extensão
Na Universidade Federal do Paraná (UFPR), estudantes do curso de Direito prestam serviços jurídicos a trabalhadores e grupos vulneráveis, incluindo assessoria jurídica às vítimas do amianto no Paraná. Parte da Clínica Jurídica em Direitos Fundamentais do Trabalho, o projeto de assessoria a expostos ao amianto facilita o acesso desses trabalhadores a benefícios a que eles têm direito, como aposentadoria especial ou por invalidez, auxílio doença e outros.