Pesquisadores apresentaram apurações preliminares durante mesa redonda no XVII Encontro da ABET.
A equipe de pesquisadores da Clínica Direito do Trabalho da Universidade Federal do Paraná (UFPR) participou da mesa redonda “O trabalho sob o controle de plataformas digitais”, realizada no último dia 17, no XVII Encontro Nacional da ABET (Associação Brasileira de Estudos do Trabalho). Durante o evento foram apresentados resultados preliminares da pesquisa sobre trabalho por plataformas digitais no Brasil.
Iniciada em fevereiro de 2021, a pesquisa é desenvolvida no âmbito da Clínica de Direito pelo professor Sidnei Machado, coordenador do projeto, com apoio do Ministério Público do Trabalho. A pesquisa tem perspectiva multidisciplinar nos campos do direito, economia e sociologia. O objetivo principal do projeto é traçar um quadro empírico e analítico sobre o trabalho em plataformas no Brasil, nos eixos de dimensão, perfil dos trabalhadores e dos direitos. Para isso, são analisadas cerca de 200 plataformas digitais de trabalho com a combinação de várias metodologias de pesquisa empíricas. Os resultados finais do projeto deverão ser divulgados em novembro de 2021, em forma de relatório de pesquisa.
Para Sidnei Machado, “é uma pesquisa ampla, com esforço de compreender a realidade dos trabalhadores sob o controle das plataformas digitais nas suas várias dimensões, dos pontos das formas de regulação, quantitativo e qualitativo”.
A mesa na ABET contou com as exposições dos pesquisadores envolvidos no projeto. Sidnei Machado, professor de Direito do Trabalho da UFPR; Ludmila Abílio, doutora em Ciências Sociais pela Unicamp; Alexandre Zanoni, doutorando em Sociologia pela UFPR; e o economista Marcelo Manzano, doutor em sociologia pela Unicamp.
Os palestrantes abordaram suas respectivas temáticas de investigação dentro da pesquisa científica em desenvolvimento, com a indicação de destaques dos seus primeiros resultados.
Modelo de negócios
O economista Marcelo Manzano explicou que a pesquisa parte de uma divisão desse universo de modelos de negócios das plataformas, que separa os processos de trabalho entre os chamados location-based e web-based. “O location-based é o trabalho realizado dentro de um território físico determinado. São trabalhadores que fazem entregas, motoristas de apps, serviços domésticos por plataformas. É um grande ecossistema do mundo das plataformas digitais no qual prevalecem atividades braçais e envolvem a utilização de equipamentos, como ferramentas e veículos. Já o outro ecossistema é chamado de web-based, no qual o trabalho se realiza por meio da internet, do computador. É muito grande e diverso, mas em uma primeira divisão que o separa do location é que nele prevalece o trabalho por símbolos, imagens, palavras e códigos. Existe uma grande diversidade e abarca desde profissionais altamente qualificados, como médicos, arquitetos, programadores, tradutores e consultores, por exemplo, até pessoas de baixa qualificação, como os chamados clickworkers, que trabalham com calibragem de Inteligência Artificial, reconhecendo imagens e apertando o enter ou não a partir do que lhe é exibido na tela”.
Os dois ecossistemas comportam dinâmicas econômicas diferentes. “A nossa pesquisa começa a indicar um insight sobre as plataformas de location-based. Uma questão crucial para esse modelo de negócio é alcançar graus de monopólio. As empresas disputam a conquista de território, cravam suas bandeiras. Um caso clássico é o Ifood, que busca o monopólio total ou presença intensa em determinada localidade, em uma espécie de cercamento virtual. Utilizam mecanismos como o dumping, oferecendo serviços abaixo do valor dos seus custos e atuando com prejuízos operacionais. A principal razão é a imperiosa necessidade de conquistar território. No web-based não há essa característica. Existem grandes grupos financeiros em operação, comprando e desenvolvendo plataformas, mas o grau de monopólio importa menos e há espaço para novos empreendimentos, sem barreiras tão decisivas. Um setor que cresce muito nesse ecossistema é o da saúde, principalmente com a pandemia. Algumas empresas avançaram com grande rapidez nesse segmento e a crise sanitária rompeu resistências institucionais. Por exemplo, o Conselho Federal de Medicina, que resistia em liberar consultas à distância. A pandemia flexibilizou certas regras e não haverá como voltar atrás”.
Desenho metodológico
As metodologias aplicadas são técnicas mistas de coleta e análise, com integração rigorosa de dados qualitativos e quantitativos para responder a problemas e hipóteses, tudo enquadrado teoricamente e com enfoque multidisciplinar, explica o pesquisador Alexandre Zanoni.
A pesquisa é organizada em três eixos disciplinares, compostos pelo Direito, Sociologia e Economia. Cada área enfrenta problemas específicos. “Traçamos um conjunto de problemas que envolvem dimensão e caracterização das plataformas, trabalho informal e terceirização, impactos da Covid-19, relações de poder, gerenciamento do trabalho, regulação do trabalho por plataformas e modelo de regulação desejável. Para responder todas essas questões, utilizamos análises de dados qualitativos e quantitativos”, destacou Zanoni.
O primeiro passo da pesquisa foi o levantamento das plataformas a partir da constatação de que todas possuem algum tipo de registro digital, como um site ou um aplicativo para baixar. Em seguida, a equipe aplicou um questionário survey e fez entrevistas em profundidade com trabalhadores. Também há quantificação e análise de decisões judiciais em todo o país e análises de propostas legislativas que envolvem a regulação do trabalho por plataformas digitais. “Os métodos dialogam entre si e um pode alimentar o outro”, destaca Zanoni.
Alexandre apontou que um desafio é o desconhecimento da dimensão da população de trabalhadores plataformizados. “Optamos por uma estratégia amostral não-probabilística proposital que, articulada com outros métodos, nos possibilitou tirar conclusões e abrir perspectivas. A estratégia na aplicação do questionário foi buscar a heterogeneidade, selecionando uma ampla gama de indivíduos”.
O questionário foi aplicado de forma online e presencial a quinhentos trabalhadores por plataformas digitais e contou com 47 perguntas, divididas em blocos que trataram do perfil socioeconômico, experiência, prática de trabalho, remuneração, jornada, percepção dos mecanismos de controle e gestão da plataforma, trajetória ocupacional, direitos e condições de trabalho, e impactos da Covid-19.
Perfil sócio-ocupacional
A pesquisadora Ludmila Abílio (Cesit/Unicamp) compõe a equipe do estudo da Clínica Direito do Trabalho da UFPR. Seu foco na investigação são as análises qualitativas e o perfil sócio-ocupacional dos trabalhadores por plataformas digitais.
Em sua exposição na mesa redonda da ABET, Ludmila chamou atenção para os desafios da pesquisa. “Apareceram 130 plataformas na forma quantitativa. O desafio é compreender como esse tipo de controle e organização vai aterrissar na sociedade brasileira. Tentar entender os tipos sociais que serão delimitados e definidos pelas plataformas, o que os difere e também o que há de geral. O pressuposto é se existe uma forma de subordinação ou não”, apontou.
Ludmila explicou que a pesquisa qualitativa se concentrou em dois aspectos: formas de controle e gerenciamento do trabalho. Porém, também busca traçar os perfis socioeconômicos dos trabalhadores e como eles irão crescer, produzir e reproduzir nas plataformas digitais.
Os dados da pesquisa qualitativa já apresentam uma composição do senso comum em torno do trabalho por plataforma. “Não é um trabalho vivenciado como um bico. É uma ocupação engajada e a adesão não se faz em um contexto de desemprego. A pesquisa nos apresenta outro elemento. Também não é um trabalho formado necessariamente por jovens. É preciso olhar o tipo de ocupação e a espécie da profissão que estão sendo desenvolvidos”, revelou.
A pesquisa qualitativa produziu quinze entrevistas em profundidade e constatou que o trabalho por plataformas é heterogêneo e abarca diferentes perfis socioeconômicos, desde trabalhadores com ensino fundamental até com alto nível de escolaridade.
A questão dos Direitos
A última exposição da mesa redonda tratou dos Direitos e as plataformas digitais, sob encargo de Sidnei Machado. O professor indicou que a questão do Direito é central nas plataformas, mas que existe grande complexidade. “É um tema difícil. São três dimensões básicas da regulação. A tradicional, que é a regulação pública e estatal, pela lei. A segunda é a construção do direito via a jurisprudência dos tribunais. E a terceira é a dimensão da autorregulação, ou seja, o que as próprias empresas normatizam no mercado, sem a participação do Estado. É um mercado que se autorregula. O que existe é um vazio na legislação estatal”.
Para Machado, a percepção dos trabalhadores é de rejeição de uma regulação forte, como a CLT, o que as empresas também não querem. “É um contexto global. Essa disputa está em evidência nos tribunais do mundo inteiro e há espaço para o debate nos parlamentos e governos. Não é necessariamente uma novidade. Fragmentações que precisam de classificações acontecem há muito tempo. Porém, o que tem de novo nas plataformas é uma gestão algorítmica, a transferências dos custos e dos riscos para o trabalhador e uso do trabalho autônomo”.
A pesquisa reuniu em um inventário todas as propostas legislativas no Congresso Nacional de tentativa de regulação do trabalho por plataformas digitais. O relatório identificou 38 projetos de lei que tramitam, propostos nos anos de 2019, 2020 e 2021. “Antes desse período, a partir de 2015, foram encontradas muitas propostas ligadas à regulamentação de empresas como a Uber, mas como houve a regulação do setor de transporte de passageiros em 2018, os projetos perderam força”.
O relatório constata que em 2019 foram doze projetos de lei apresentados, outros dezenove em 2020 e sete neste ano, contabilizados até julho de 2021. “Há dezenas de outros projetos que tentam responder à pandemia e à crise econômica. Os projetos anteriores tentam discutir a relação de emprego, se é autônomo ou não. Durante a pandemia ocorre uma reação diferente, tentando dar respostas imediatas à crise sanitária. Apareceram 40 propostas relacionadas apenas à Covid-19 que não incluímos na pesquisa”.
Ainda de acordo com o coordenador da Clínica, a regulação das plataformas digitais de trabalho é importante do ponto de vista legal, mas os aplicativos tentam contornar a legislação e a jurisprudência. “Fazem isso na hora de desenhar o negócio e no momento de estabelecer os termos de uso”, concluiu Sidnei.
:: Assista a íntegra da mesa redonda