Por Sidnei Machado (*)
O protocolo do Projeto de Lei 2479/2025 na Câmara dos Deputados, em 22 de maio, marca uma inflexão significativa no debate sobre a regulação do trabalho dos entregadores por plataformas digitais no Brasil. Trata-se de uma resposta legislativa concreta ao movimento coletivo dos trabalhadores, que, por meio do “Breque dos Apps” — realizado nos dias 30 de março e 1º de abril —, mais uma vez denunciaram e deram visibilidade à precarização estrutural a que estão submetidos.
Apresentado pelo deputado federal Guilherme Boulos e subscrito por uma frente multipartidária composta por dez partidos, o PL incorpora reivindicações centrais dos entregadores: tarifa mínima de R$ 10 por entrega, adicionais por quilômetro percorrido e tempo de espera, reajuste anual com base no IPCA, além da obrigatoriedade de seguro de vida e acidentes. Embora não configure vínculo empregatício, a proposta reconhece a urgência de um piso mínimo de proteção social para trabalhadores expostos à intensa vulnerabilidade econômica e jurídica.
O projeto também avança ao coibir práticas abusivas, como metas inalcançáveis, penalizações por recusa de pedidos e bloqueios arbitrários — mecanismos típicos de uma gestão algorítmica opaca e desumanizante. Ao exigir transparência nos algoritmos e acesso prévio às condições das corridas (Art. 5º), o texto enfrenta o controle opaco e unilateral exercido pelas plataformas, que é um dos nós centrais do trabalho digital.
O PL surge após o impasse no Grupo de Trabalho do governo em 2024, que não conseguiu formular uma proposta abrangente capaz de contemplar as aspirações dos entregadores no PLC 12/2024. Nesse vácuo institucional, o projeto legislativo se apresenta como uma resposta pontual, mas com potencial estruturante a longo prazo.
Sua elaboração resultou de um processo coletivo que envolveu diretamente as lideranças do Comando Nacional do Breque e da Aliança dos Entregadores, com assessoria jurídica da Clínica de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Essa articulação entre saber técnico e experiência vivida confere ao projeto uma legitimidade singular: ele emerge não apenas dos corredores institucionais, mas da escuta ativa e da mobilização dos próprios trabalhadores.
Além dessa base social robusta, o projeto distingue-se por reunir um apoio político amplo e transversal, com a adesão de partidos de diferentes espectros ideológicos. Essa convergência, rara no atual cenário de polarização, sinaliza que a agenda do trabalho digno pode — e precisa — ser um ponto de encontro capaz de superar divisões e fortalecer o compromisso democrático com a justiça social.
Entre os dispositivos mais relevantes, destaca-se o Art. 1º, que estabelece o valor mínimo de R$ 10 por entrega, com adicionais por quilômetro excedente e tempo de espera, garantindo remuneração mínima mesmo em pedidos agrupados. O Art. 3º proíbe metas que incentivem condutas de risco e penalizações por recusa de pedidos mal remunerados, enquanto o Art. 7º obriga as plataformas a contratar seguro contra acidentes, com cobertura de até R$ 150 mil para danos pessoais. Já o Art. 9º determina a criação de pontos de apoio com água, banheiros e áreas de descanso — uma resposta direta às condições desumanas frequentemente denunciadas.
Se aprovado, o PL 2479/2025 poderá inaugurar um paradigma normativo básico para o trabalho em plataformas no Brasil. Ainda que não resolva todas as questões — como o reconhecimento do vínculo empregatício em situações de subordinação disfarçada —, estabelece um patamar mínimo de dignidade. É um passo necessário, ainda que insuficiente, rumo à construção de um marco regulatório protetivo para os trabalhadores em plataformas digitais.
(*) Sidnei Machado é professor de Direito do Trabalho da UFPR e coordenador da Clínica Direito do Trabalho
Lei a íntegra do PL 2479/2025 (aqui)