Edson, Lúcio, Márcio, Wesley e Guilherme são motoboys em Curitiba. Além de jornadas de trabalho excessivas, baixas remunerações e os riscos da profissão, amargam em comum o drama dos bloqueios pelas plataformas digitais de entrega de comida e mercadorias. Todos tiveram suas contas excluídas subitamente pelas plataformas sem motivo aparente, sem aviso prévio e sem um canal de atendimento.

Eles foram alguns dos trabalhadores que compareceram à reunião de orientação jurídica que a Clínica Direito do Trabalho da UFPR promoveu na quarta-feira (14), no pátio da Reitoria da Universidade, em Curitiba.

“Trabalhei até duas horas da madrugada e pela manhã, quando fui logar no aplicativo, minha conta estava cancelada sem nem eu saber o porquê. Não recebi nenhum esclarecimento e não tenho aonde recorrer. Isso ocorreu já faz um ano”, reclamou um dos trabalhadores atendidos pela Clínica. 

As histórias dos motoboys bloqueados, resguardadas as peculiaridades, se repetem e revelam sentimentos de indignação. “Trabalhava como operador logístico no Ifood, cumprindo horário, e fui bloqueado definitivamente, do nada, em agosto do ano passado. Nem suspeito o motivo. Mandei mensagem para o operador e disseram para entrar em contato direto com o Ifood. Tentei, mas até hoje não veio resposta. Tive uma moto roubada trabalhando para os caras”, contou outro trabalhador.  

A orientação jurídica dos motoboys é realizada pela Clínica Direito do Trabalho no âmbito de um projeto de extensão e pesquisa sobre plataformas digitais de trabalho, que contempla estudos sobre as condições de trabalho e formulação de intervenções para a defesa de direitos desses trabalhadores vulneráveis. “A Universidade presta atendimentos jurídicos, faz orientações e eventualmente ingressa com demandas judiciais. A UFPR é pública, atende e não cobra nada. Nem antes, nem durante e nem depois. O trabalho da Universidade é diferente de um advogado particular porque busca uma solução coletiva perante as instituições públicas”, explica o professor e doutor em Direito Sidnei Machado, coordenador da Clínica.

Durante a reunião de orientação jurídica, Machado explicou que as plataformas argumentam que existem termos e condições que devem ser cumpridos pelos motoboys. “Os aplicativos entendem o trabalhador como um parceiro. Se ele descumprir qualquer uma das cláusulas pode haver punição, bloqueio ou descadastramento do profissional. Ninguém pode discutir aquilo. A rigor é a plataforma que impõe as condições aos motoboys. Trata-se de um poder imenso, em grande medida explicado pela grande disponibilidade desempregados, com necessidade de trabalho e, com isso, as plataformas se aproveitam dessa situação”, afirmou.  

Ainda com relação aos bloqueios, o coordenador da Clínica disse que há grande dificuldade para resolver esse problema. “A plataforma não reconhece o motoboy como empregado. Logo, as normas da CLT não são aplicadas automaticamente, pois são considerados como trabalhadores autônomos. Na Justiça do Trabalho há uma grande disputa entre os motoboys e as plataformas, mas infelizmente a jurisprudência brasileira ainda é majoritariamente favorável às empresas”.

Apesar da falta de consenso nos tribunais, Machado defende a discussão na esfera judicial. “Na minha avaliação, para o entregador que sofreu bloqueio e considera a medida injusta, a alternativa é promover uma ação na Justiça para pedir a reintegração, a reparação do prejuízo que teve pelo período no qual não pôde trabalhar e também um dano moral. A Justiça está bem dividida, mas essa discussão jurídica tem que ser feita porque é uma injustiça muito grande. As plataformas estão sufocando os trabalhadores. Não se pode simplesmente descadastrar sem oferecer o direito de defesa e aviso prévio”.

A precariedade das condições de trabalho dos motoboys que atuam por plataformas é latente. Nas entrevistas feitas na reunião de orientação jurídica, os entregadores relataram jornadas diárias entre 12 e 16 horas, poucas folgas, baixas tarifas e total ausência de suporte por parte das plataformas em caso de acidentes, entre tantos outros problemas que se acumulam na rotina desses trabalhadores.

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