A Clínica Direito do Trabalho da UFPR realizou nesta terça-feira (07) uma roda de conversa entre entregadores que atuam através das plataformas digitais e pesquisadores. O objetivo foi promover o debate e a reflexão sobre as condições do trabalho nos aplicativos, assim como a integração entre a academia e a comunidade.

A atividade aconteceu de forma híbrida (presencial e virtual), o que possibilitou a participação de pessoas de diversas regiões do país. O coordenador a Clínica, professor Sidnei Machado, abriu a conversa ressaltando que, apesar das dificuldades impostas pelas plataformas, a categoria avança na sua organização em âmbito nacional com a criação da Aliança Nacional dos Entregadores de Aplicativos (ANEA). “É um passo importante para que os trabalhadores possam fazer frente a esse modelo de negócio que intensificou a exploração do trabalho, com rebaixamento de salários, jornadas exaustivas, graves acidentes e pouca ou nenhuma proteção social”, afirmou.

Em seguida, os entregadores, a maioria líderes da AEA, relataram o cotidiano do trabalho nas plataformas, as dificuldades percebidas e suas opiniões em relação à possibilidade da regulação do segmento, tendo em vista a sinalização do Governo Lula sobre o tema.

Felipe “Budiu”, líder dos entregadores de bicicleta em Curitiba, contou um pouco sobre a sua atividade nos pedais. “Antes eu tinha uma moto, mas tive que vender por causa do excesso de multas e minha carteira foi suspensa. Como na adolescência eu fui atleta de mountain bike, passei a fazer entregas de bicicleta. No primeiro mês pensei que iria morrer. Tive muitas dores nas pernas e nas costas, mas de repente o corpo se acostumou e graças a isso eu passei a cursar a faculdade de educação física. Quero lutar a favor dos entregadores porque é uma atividade que me ajudou, então eu tenho que retribuir. Como o pessoal daqui é muito desunido, meu papel enquanto liderança no Paraná é tentar unir a galera que faz entrega”.

O debate mostrou pontos de vista heterogêneos sobre formas de contratação, autonomia e direitos. Porém, houve consenso de que os aplicativos pioraram as relações de trabalho e representaram a desregulamentação total do setor. “Antes dos aplicativos chegarem, os motoboys tinham a verdadeira autonomia que hoje as plataformas dizem oferecer, mas de fato não existe. Antes do Ifood, o autônomo que trabalhava para uma lanchonete, por exemplo, tinha a remuneração fixa mais as taxas por entrega negociadas junto à empresa. Quando os aplicativos chegaram, a primeira coisa que fizeram foi cortar a tabela de valores pela metade. Motoboy era uma profissão que conseguia sustentar uma família tranquilamente, com as plataformas houve uma ‘barganhação’ do serviço dos entregadores, inclusive descumprindo a lei 12.009, conhecida como lei do motofrete, colocando qualquer pessoa para poder realizar entregas”, disse Carlindo Neto, motofretista de Juiz de Fora, em Minas Gerais.

A roda de conversa revelou que há opiniões distintas em relação à regulação das plataformas. Sidnei Lourenço, o “Véio do Paraná”, como é conhecido na categoria, enxerga a necessidade da elaboração de proposta e articulação junto aos parlamentares. “As plataformas estão querendo entregar poucos anéis para não perderem os dedos. Dizem apoiar a regulamentação, mas é tudo conversa fiada. Os aplicativos já estão se articulando dentro do Congresso Nacional em torno de uma proposta de regulação que não traz garantias aos trabalhadores. Nós, entregadores, temos que construir uma proposta firme para fazer a disputa”, afirmou.

Já Felipe Zuppo, motofretista mineiro que trabalha na capital paulista, acredita que a correta aplicação da legislação atual traria a proteção social almejada pela categoria. “O governo tem tudo para regulamentar as plataformas da forma correta porque em 2017 nós tivemos a reforma trabalhista e nela se colocou o teletrabalho, que também é o trabalho por aplicativo. A forma que o entregador trabalha já existe por lei do jeito que está e por isso deveria ter todos os benefícios da CLT. É muito fácil para o governo enquadrar as plataformas no contrato intermitente ou flexível. Não consigo entender porque precisa de uma nova regulamentação, se já existe a lei e é só fazer ela valer”, questionou.

O cooperativismo como forma de contrapor a exploração das plataformas também veio à tona no debate. O motoboy Rômulo Souza preside uma organização na cidade de Araquara, interior de São Paulo. “Acredito que através de cooperativas a gente possa conquistar um mercado que já era nosso, mas que os aplicativos nos tomaram. Precisamos nos livrar desses oportunistas que lucram através da nossa mão de obra. Eu estou há cinco anos na profissão, mas conheço muitos colegas que estavam há muito mais tempo e abandonaram por causa das condições cada vez piores. Antigamente havia mais valorização, hoje com os aplicativos nossa categoria foi desvalorizada”, lamentou.

A atuação da categoria em múltiplos espaços foi defendida pelo motofretista Alexandre Santos, de Florianópolis. “Faço parte da Aliança Nacional dos Entregadores por Aplicativo, da Associação e do Sindicato dos Motoboys de Santa Catarina, além do Coletivo Catarinense dos Motoboys, que é um projeto de representação política da categoria no qual a gente entende que existem diversas frentes e espaços que necessitamos ocupar para evitar que pessoas que não conhecem o nosso trabalho falem por nós, acabando com as aberrações que vemos por aí”.

Alexandre também falou sobre como é a organização na ANEA. “Dentro da Aliança prevalece a democracia. Mesmo com opiniões diferentes, temos um espaço de debate que acontece de forma muito saudável, até porque cada um de nós procura não levar para os debates os posicionamentos pessoais, mas sim agindo como porta-vozes da base, levando o entendimento que a base tem para os acadêmicos, juristas e professores. Através disso a gente está conseguindo desenvolver o projeto de regulamentação dos aplicativos”.

A roda de conversa é uma inciativa do projeto de pesquisa e extensão Clínica Direito do Trabalho da UFPR que reúne acadêmicos e trabalhadores para debater condições laborais e procurar soluções conjuntas para as demandas jurídicas e sociais das categorias.

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